POR DENTRO DO DINHEIRO
REPRODUÇÃO/DISCOVERY
Donald Trump no documentário Unprecedented; presidente dos EUA lidera nova guerra comercial
ELAINE BAST*
redacao@economiareal.com.brPublicado em 16/4/2025 - 8h00
Você não pretende ir à Disneylândia ou passear por Miami e Nova Iorque. Também pode não precisar comprar dólares nos próximos dias e, ainda assim, as decisões tomadas há mais de sete mil quilômetros de distância pelo presidente norte-americano Donald Trump afetam, e muito, a nossa vida. O tarifaço de Trump, que marca a guerra tarifária iniciada pelo atual líder da Casa Branca, destrói praticamente todos os acordos econômicos estabelecidos no pós-guerra e tem potencial para afetar os preços de inúmeros produtos e serviços ao redor do mundo.
Na média, as tarifas de importação americanas devem subir 25%, de acordo com a agência Fitch. O Brasil ficou com uma taxa de 10%, enquanto a ilha de Saint-Pierre e Miquelon, com seus pouco mais de 5 mil habitantes, tem que engolir uma alíquota de 50% – o que é difícil de entender.
As negociações comerciais do planeta vão mudar de direção devido ao protecionismo declarado pelos Estados Unidos, que, além de ocupar o posto de maior economia do mundo, é o maior importador de bens. A confiança, base para todo negócio e investimento, também sai abalada.
No século XVIII, Adam Smith (1723–1790), um dos mais influentes filósofos da história e considerado o "pai" da Economia moderna, já defendia o livre comércio como uma maneira importante para incentivar o crescimento econômico dos países. No livro A Riqueza das Nações (1776), ele argumentava que cada país deveria se especializar no que sabe fazer de melhor, com mais eficiência e menor custo.
O mundo todo ganharia com essa maior produtividade, e a população poderia ter acesso a produtos mais baratos e de melhor qualidade. O mercado teria a capacidade de se autorregular de maneira automática, no que ele chamou de “mão invisível”. Bem, três séculos depois, Smith deve ter se revirado no túmulo em Edimburgo, na Escócia, onde está enterrado.
Agora é esperar retaliações de países que foram duramente atingidos, como a China, que foi taxada em 125%. Para o povo americano, as maiores tarifas de importação vão resultar em produtos mais caros, uma vez que dependerão dos bens nacionais para consumo — e nós sabemos que não é de um dia para o outro que se constrói uma nova fábrica que possa suprir uma maior procura interna.
A menor competição certamente vai encorajar empresários americanos a subir os preços, já que vai haver mais procura do que oferta — igual chuchu na feira. Tem muito, o preço despenca para o feirante se livrar do produto. Tem pouco, o preço sobe.
Bom, em aumento de preço, nós brasileiros estamos bem escolados: quando isso ocorre, a inflação sobe junto e, com isso, há uma queda de renda, principalmente da renda dos que ganham menos. O que torna bem irônica a frase que Trump disse ao fazer o anúncio das tarifas: "Hoje é o dia da libertação econômica". Bem, para o consumidor americano, não foi.
Além das novas tarifas de importação, também foi confirmada uma alíquota de 25% para importação de carros e do aço, em que o Brasil é o segundo maior fornecedor dos Estados Unidos.
Mas, fora a liga metálica essencial para a construção de inúmeros produtos, um relatório publicado pela agência Moody’s indica que as exportações brasileiras para os Estados Unidos respondem por apenas 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto). Ou seja, a economia brasileira ainda é considerada relativamente fechada e tem um mercado de consumo interno grande que sustenta a produção.
Querido leitor, quero fazer um alerta sobre sermos fechados: isso é ruim para nós! Há setores que há décadas são protegidos com tarifas de importação ou subsídios, e isso, claro, desincentiva o investimento em melhores tecnologias e aumento de produtividade.
Há sentido em proteger setores estratégicos, com cadeia de produção e emprego longas, principalmente aqueles que envolvem mais tecnologia. Mas só no início e por um tempo limitado. Se esse tempo se prolonga a favor de interesses de lobbies empresariais, o resultado disso é baixa produtividade, empregos defasados, produtos ruins e bem mais caros, o que incentiva a ineficiência.
Uma estimativa feita pelo Budget Lab, da Universidade de Yale, mostra que o americano médio deve perder US$ 3,8 mil de poder de compra e o PIB dos Estados Unidos deve cair 1,3% até o ano que vem. O Brasil, claro, pode ter a grande oportunidade de aumentar ainda mais as exportações para a China e o Sudeste Asiático,
Mas, claro, para comprar do Brasil, a China terá que encontrar também novos compradores para os seus produtos. E a estimativa do banco Goldman Sachs é que as novas tarifas diminuam o PIB chinês em 1 ponto percentual. Ou seja, além de não ter aquelas taxas invejáveis de crescimento, a potência asiática ficará praticamente estagnada, o que não seria bom para os brasileiros.
Para a Europa, as expectativas também não são animadoras. Fato é que ainda há muitas incertezas por parte tanto dos governos quanto dos analistas que continuam fazendo contas. De concreto, no dia seguinte ao anúncio do tarifaço Trump, o mercado financeiro americano tomou um tombo: as ações caíram e os títulos de dívida também tiveram queda nos juros por causa do medo de que os EUA enfrentem uma recessão econômica aliada à inflação dos produtos — a chamada estagflação, o que seria o pior cenário econômico possível.
Já o Brasil reagiu bem: a expectativa de desvio do comércio dos Estados Unidos para outros países fez a procura pela moeda americana diminuir cerca de 1,5%. Já a bolsa de valores subiu pouco mais de meio por cento. Mas, ainda mais quando se trata de mercado financeiro, tudo ainda é muito incerto.
Com todo este cenário desenhado, volto à nossa questão inicial: não vou pra Disney, nem para Miami ou NY. Então, o que, afinal, nosso bolso tem a ver com todo esse imbróglio?
Caso esse cenário de estagnação do crescimento americano aliado à inflação alta se confirme, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) vai enfrentar o seguinte dilema: manter juros altos para segurar ainda mais o consumo, já fraco, e fazer pressão para que os preços caiam.
Trump aumenta tarifas, e juros mais altos nos Estados Unidos — ainda que sejam muito menores que os nossos — atraem dinheiro do investidor estrangeiro para lá. Ou seja, ele vende moeda americana aqui pra aplicar nos títulos americanos. Lembra da história do chuchu na feira? É a mesma coisa!
A saída de dólares no Brasil aumenta o preço da moeda americana, e isso afeta nossa inflação, porque muitos produtos importantes, como carne e trigo, têm o preço cotado em dólar. Inflação maior diminui a renda do trabalhador e inibe a velocidade da queda dos nossos juros, que ainda estão nas alturas, o que eleva, em efeito cascata, as taxas de empréstimo e crediário para quem precisa fazer dívidas.
Juros altos também desestimulam investimentos em produção, com impacto sobre o crescimento do País. Agora, a outra alternativa seria diminuir os juros para estimular a economia e tirar os Estados Unidos da estagnação, o que teria efeito inflacionário. O quanto inflacionário é a questão. E aí vai ser preciso muita habilidade do Fed para a inflação não voltar a disparar. A meta lá é de 2%. Ou seja: calibrar muito bem o aumento de juros para colocar os EUA na estrada de novo sem afetar ainda mais a economia mundial.
*As opiniões da colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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