LIPSTICK INDEX
VIRGINIA BERBECE/UNSPLASH
Mulher passa batom vermelho; índice do batom aponta comportamento econômico em crises
Publicado em 23/4/2025 - 10h20
"As feias que me desculpem, mas beleza é essencial". Se você tem mais de 40 anos, provavelmente já ouviu essa frase – um tanto machista, aliás – muito popularizada pelo poeta Vinicius de Moraes (1913-1980). A mulher se sentir bonita mexe com sua autoestima e confiança. Imagine Marilyn Monroe (1926-1962), a personagem sexy e glamourosa, sem o icônico batom vermelho? O batom é um item tão importante na bolsa de uma mulher que até virou indicador econômico: o índice do batom (ou lipstick index, em inglês).
Esse índice se baseia em uma teoria curiosa da economia comportamental, que diz o seguinte: quando o consumidor percebe que a economia começou a desacelerar e tempos difíceis estão por vir, ele tende a adiar gastos maiores (como viagens, roupas caras, reformas ou troca de carro), mas continua investindo em pequenas indulgências para manter a autoestima e "se dar um presente".
Para muitas mulheres, o batom é esse "luxo acessível", já que não costuma ser um item caro. Ou seja, uma dose extra e de baixo custo para autoestima. Quem criou esse termo foi Leonard Lauder, um dos herdeiros da gigante de cosméticos Estée Lauder, em 2001 – ano em que os Estados Unidos enfrentavam recessão e o PIB global caiu pela metade, segundo o FMI.
Foi também o ano dos ataques às Torres Gêmeas. Nos meses seguintes, as vendas de batons quase dobraram, inclusive os da marca dele (estes nem tão baratos...). Antes disso, durante a Grande Depressão de 1929, nos Estados Unidos, também houve crescimento nas vendas de batons.
Mesmo em meio à pior recessão da história americana, a indústria de cosméticos se manteve resiliente. Para Lauder, esses fatos comprovam: economia em baixa, batom em alta.
O índice do batom é uma forma interessante e curiosa de observar a economia. Mas é preciso cautela: a economia de um país exige dezenas de outros indicadores para ser analisada com precisão.
Em 2009, o The Economist avaliou a teoria e concluiu que não é possível estabelecer uma relação clara entre a venda de batons e crises econômicas. Isso porque, mesmo em períodos de crescimento, a indústria da beleza apresentou bons resultados.
Com a chegada da Covid-19, a teoria perdeu força. Com o uso de máscaras cobrindo o rosto, o ímpeto pela maquiagem se voltou para o que ainda era visível: olhos, cabelos e perfumes. Ainda assim, a busca por bem-estar impulsionou as vendas de cosméticos no Brasil, quarto maior consumidor global desse setor.
A ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) apurou que, em 2020, o setor cresceu 5,8% em relação a 2019. Cuidados com a pele (21%), perfumaria (8,4%) e shampoos (7,9%), entre outros itens, tiveram alta nas vendas — especialmente as marcas mais populares e acessíveis.
E, para fechar, cito um estudo da Deloitte realizado em 2022 com consumidores de 23 países. O levantamento investigou o "efeito presente" em tempos de crise. A conclusão? 3 em cada 4 consumidores compraram algo como "agrado pessoal" no último mês.
A lista vai muito além do batom, especialmente para os homens, que lideraram o consumo de "presentinhos" como bourbon, um tipo de uísque americano. Eles gastaram 60% a mais que as mulheres, segundo o estudo.
O índice do batom é, sim, uma maneira interessante de entender parte do comportamento do consumidor. Mas, como qualquer indicador, é limitado. A economia é complexa, multifatorial. O que ficou evidente em todos os exemplos, do batom às bebidas, é que mesmo diante da incerteza, o consumidor toma decisões emocionais. E isso pode afetar o orçamento pessoal.
Por isso, o consumo consciente é essencial. Seja você um consumidor de marcas de luxo ou alguém de renda mais apertada, gastar além da conta traz consequências. Se o orçamento não comporta, só restam duas opções: aumentar a renda (com bicos, entregas, apps) ou cortar despesas. Afinal, as dívidas estão com os juros mais altos em décadas.
E vale lembrar: com o tarifaço do presidente americano, a previsão é de crescimento global menor. Hora de segurar os gastos e repensar as compras não essenciais.
*As opiniões da colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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