ANNA CAROLINA GOUVEIA
A confiança do consumidor brasileiro voltou a recuar em junho, indicando um clima de pessimismo generalizado em relação à economia
DIVULGAÇÃO/FGV
Anna Carolina Gouveia, economista do FGV IBRE; especialista explica queda da confiança
Publicado em 27/6/2025 - 10h49
Segundo os indicadores de renda e desemprego, a economia brasileira está muito bem, obrigado. Porém, nas ruas, os brasileiros não compartilham da mesma visão — e a expectativa é que essa desconfiança leve os consumidores a "pisarem no freio" nas compras, de acordo com a economista Anna Carolina Gouveia.
"O indicador mostra que o consumidor está muito pessimista com a economia. Por isso, eles serão um pouco mais cautelosos na hora de decidir o que fazer nas suas compras", reforça a economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), em entrevista ao Economia Real.
Na terça (24), a instituição divulgou os dados de junho do Índice de Confiança do Consumidor (ICC), que mede o grau de otimismo ou pessimismo dos brasileiros em relação à economia. Neste mês, o índice caiu 0,8 ponto, para 85,9 pontos. Na avaliação da especialista, esse recuo reflete uma preocupação persistente com o orçamento doméstico, em um cenário de forte endividamento, alta inadimplência e juros elevados.
"O nível dos juros hoje é reflexo de uma política monetária muito restritiva. Juros altos impactam tanto a situação financeira de quem já está endividado, porque as dívidas ficam mais caras, quanto nas decisões de consumo, principalmente em compras parceladas ou de maior valor", complementa.
Todas as faixas de renda aumentaram a desconfiança na economia brasileira em junho, com exceção da faixa 4 — a classe mais alta, formada por famílias com renda acima de R$ 9,6 mil mensais. O maior impacto foi registrado entre os consumidores de menor renda.
"Desde dezembro de 2024, a faixa de menor renda já perdeu mais de 25 pontos no índice de confiança. Essas famílias são as que mais sofrem com aumento de preços, imprevistos financeiros e necessidade de empréstimos", alerta Gouveia.
Segundo a economista, a vulnerabilidade financeira entre os mais pobres está tão alta que nem mesmo os programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família, têm sido suficientes para conter o pessimismo.
"São pessoas com maior dificuldade para lidar com o aumento das dívidas. Como o orçamento é mais limitado, qualquer emergência ou alta no preço de itens básicos compromete o pagamento das contas. São também as mais propensas a tomar empréstimos e a enfrentar dificuldades para quitá-los no futuro. Isso mostra que essas famílias estão, de fato, vulneráveis, mesmo com os auxílios que evitam uma queda ainda maior na confiança", afirma.
Neste cenário de baixa confiança do consumidor, a tendência é que os gastos diminuam e a cautela aumente, o que gera efeitos em cadeia que impactam diretamente as empresas. Consumidores adiam compras, especialmente de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos.
Com menor demanda, empresas precisam oferecer descontos ou promoções para atrair clientes, o que aperta as margens de lucro. Além disso, contratações ou abertura de novas filiais entram em estado de alerta, e investimentos em inovação ou marketing podem ser postergados.
O crédito corporativo também é afetado. Como a desconfiança na economia aumenta a inadimplência, os bancos restringem a concessão de crédito tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Sem crédito fácil, o consumo e o investimento perdem força. Os setores mais impactados são varejo, construção civil, bens de consumo duráveis e turismo.
Já áreas consideradas essenciais, como alimentação e saúde, tendem a sentir menos os efeitos imediatos. No geral, empresas precisam se adaptar com redução de custos, foco em essencialidade, ofertas mais agressivas e reforço da confiança na marca para sustentar as vendas em um ambiente econômico adverso.
Para que os brasileiros voltem a acreditar na economia, será necessário mais do que bons dados macroeconômicos. Segundo a economista, melhorar a situação financeira das famílias deve ser prioridade:
Acredito que tudo gira em torno da condição financeira do consumidor. E não é só a questão do endividamento ou da inadimplência. A economia precisa seguir melhorando: a inflação deve estar sob controle, o desemprego tem que continuar baixo e novos investimentos precisam acontecer. O cenário macroeconômico precisa estar bem estruturado e em crescimento", destaca.
Ela também defende investimentos em educação financeira por parte do Governo Federal, como forma de dar mais autonomia ao consumidor. "A educação financeira ajudaria o consumidor a reorganizar suas contas e quitar suas dívidas. Quem está endividado e ainda assim consegue manter o consumo — tanto de itens essenciais como comida, água, aluguel e luz, quanto de produtos que vão além do básico — passa a se sentir mais integrado à economia. Isso melhora sua percepção geral sobre o país e aumenta a confiança no futuro", conclui Anna.