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Super Quarta: juros, inflação e um jogo de nervos na economia

LOGAN VOSS/UNSPLASH

Imagem de cédulas de dólar

Notas de dólar; Super Quarta ocorre nesta quarta (7) e traz impactos para a economia nacional

Publicado em 6/5/2025 - 7h00

Prepare-se, querido leitor, porque vem aí a Super Quarta! E não, não é final da Libertadores nem de Copa do Mundo. Mas no mundo da economia é quase isso! A Super Quarta ocorre quando coincidem a divulgação de duas decisões extremamente cruciais para o Brasil e para os Estados Unidos: diminuir, manter ou elevar a taxa de juros básica do país, que afeta diretamente a nossa vida. Tem o peso da decisão por pênaltis!

Teremos uma semana com muitos palpites, estudos e projeções sobre qual deve ser a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) aqui e qual será a decisão do Federal Reserve, o Fed, Banco Central americano. Promete ter muito agito no mercado financeiro, com chute para todo lado!

Nos Estados Unidos, a maior parte dos analistas acredita que o Fed manterá os juros no intervalo entre 4,25% e 4,50% ao ano até ver no que vai dar as políticas protecionistas adotadas pelo presidente do país, Donald Trump. Tipo aquele amigo que não sai da festa porque quer ver se o crush aparece…

Uma manutenção é considerada por alguns economistas como conservadora, por causa dos riscos inflacionários criados com o tarifaço. Por outro lado, a economia americana tem dado sinais de enfraquecimento. Resta saber se o impacto inflacionário do tarifaço será transitório ou permanecerá por mais tempo do que o esperado. É sobre isso que o Fed vai se debruçar.

Aqui no Brasil, depois de encolher em 2024, a safra 2023/2024 deve bater recorde de produção, chegando a 325 milhões de toneladas, um aumento de quase 10%. Isso deve impulsionar o PIB do primeiro trimestre de 2025. Em janeiro, a estimativa do PIB, o IBC-Br, divulgado pelo Banco Central, já mostrou crescimento maior do que muitos esperavam: quase 1%. Surpreendeu muita gente. Isso mostra uma economia aquecida para este ano? Não necessariamente.

É o que diz Sergio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC, professor da EPGE FGV e sócio da Sarpen Quant Investments, em entrevista à coluna. Segundo ele, esse efeito deve ser transitório. A economia durante o restante do ano deve mostrar sinais de fraqueza. Não contará mais com a safra recorde e terá que enfrentar juros em patamares altíssimos.

"Eu acho que a maior probabilidade, a meu ver, é que o Banco Central faça o que se encaixa nos discursos que eles têm feito. Essas falas, algumas vezes deram impressão mais 'dovish' [mais amena, com possibilidade de manutenção de taxa], mas, em geral, o 15% ao ano parece o máximo que o BC daqui vai chegar", acredita o economista.

"O essencial é que eles deixaram de enfatizar, como faziam antes, que o horizonte no qual querem chegar a 3% de inflação é de 18 meses [atualmente, a projeção do IPCA para este ano é de 5,7% e, para o ano que vem, 5,6%, acima da meta]. Se foi proposital ou não, eu não sei dizer. Mas a minha interpretação é que já viram que será muito difícil, em 18 meses, chegar a 3% de inflação", prossegue.

Pode até acontecer caso os preços dos produtos internacionais, importados pelo Brasil, tenham queda, por causa da maior entrada de produtos chineses, esperada nesse rearranjo por causa da guerra comercial. Mas acho muito pouco provável que cheguemos em 18 meses a 3% com o ritmo atual. Portanto, acho difícil atingir a meta, mesmo com juros de 15% ao ano. Principalmente se diminuírem a velocidade mais adiante", diz.

Para Werlang, os juros máximos devem chegar a 15% ao ano ou talvez até 14,75%. "Mas ainda há muita, muita incerteza com o que vai acontecer com os Estados Unidos. Minha impressão é que eles vão deixar em aberto, tanto no comunicado divulgado amanhã quanto na ata do Copom divulgada na terça que vem, se vão ou não subir 0,25 ponto percentual da próxima vez. Acho que sobem 0,5 ponto percentual agora e deixarão em aberto se sobem 0,25 ponto percentual depois. Vão aguardar mais dados", projeta.

"Por exemplo, se depois desse primeiro trimestre a economia brasileira desacelerar muito, aí o Banco Central percebe que essa desaceleração é maior do que previam. Olhando adiante, os sinais parecem bastante negativos. Aí faz sentido dar uma pausa para observar. Outro dado: o dólar continua perdendo valor frente às outras moedas, inclusive o real. Isso também conta a favor do fim do aumento da taxa Selic, já que o câmbio tem influência na inflação", detalha.

Possível é. Eu acho que, se nada mudar, eles fazem uma de 0,5 ponto percentual, deixam em aberto se fazem a de 0,25 e, mais adiante, fazem a de 0,25 e dizem: 'paramos, vamos esperar agora a política monetária fazer o seu efeito', que é controlar a subida de preços", afirma.

O Banco Central iniciou essa subida da taxa de juros em setembro do ano passado. Na época, os juros já estavam elevados: 10,5% ao ano. De lá pra cá, a taxa básica subiu mais cinco vezes, até atingir os atuais 14,25% ao ano em março — a maior taxa de juros do país em 20 anos.

Como a Selic é referência para outras taxas de juros da economia, o crédito para empresas e financiamento de consumidores também subiu. Ficou mais caro ter dívida no Brasil. Ainda que se considere que o impacto do aumento percentual da Selic seja moderado sobre as taxas finais, dado o diferencial dela para os juros cobrados na ponta, de nós, simples mortais, o efeito dos sucessivos aumentos pressiona as taxas no mercado. Tomar crédito hoje em dia é tipo assinar contrato com o capiroto...

Em 2024, a vida das empresas, por exemplo, não foi fácil: houve aumento de 61% nos pedidos de recuperação judicial em relação a 2023! Um estudo publicado pelo Valor Econômico, feito pela A&M, mostrou que as empresas brasileiras terão de pagar R$ 126 bilhões a mais em juros até 2030 após os aumentos da taxa básica iniciados em 2024.

É dinheiro que poderia estar sendo investido na produção dessas empresas, como em ampliação e contratação. Olhando apenas 237 empresas de capital aberto negociadas em bolsa, encontrou-se que 40% dessas companhias — ou seja, praticamente a metade delas — estão pagando mais juros do que faturam. É como trabalhar o mês inteiro só pra pagar a dívida do boleto. E várias delas vão ter dificuldade de se refinanciar.

"O impacto disso para a economia pode ser grande", reforça Werlang. "Esse número é absurdamente alto. Desde a época da presidente Dilma Rousseff que a gente não via o 14,25% de taxa Selic. É um número bastante forte e eu mesmo me surpreendi com o Banco Central aumentando tanto a taxa de juros. Não imaginava que o BC daria três aumentos de 1%. Imagina, com esse juro real alto (que é a taxa de juros nominal, a anunciada pelo BC, menos a taxa de inflação). Eu achava que eles simplesmente deixariam ter um pouco mais de inflação, mas eles não quiseram", comenta.

E o governo?

Segundo o especialista, o problema é que a política monetária não tem tido a mesma eficácia de antes: "Seja porque há muito gasto público e, portanto, estímulo à economia, seja porque ainda existe muito investimento e gasto parafiscal [que não entram diretamente no Orçamento, como políticas específicas]".

Alguns economistas estimam que esses gastos fora do orçamento do país possam chegar a 1% do PIB até 2026. Esse é um dinheiro que entra na economia e pode dar um refresco para o crescimento econômico esperado, mas prejudica os efeitos de uma alta de juros sobre preços. E tem efeito sobre a credibilidade do arcabouço fiscal proposto pelo governo.

Tem um monte de coisa feita fora do Orçamento e que na conta do arcabouço não entra, como a conta de precatórios, que também é um gasto bastante grande. Então, estamos com muitos estímulos fiscais, isso é óbvio", diz.

"A relação dívida pública/PIB está subindo. As estimativas mostram que no ano que vem podemos chegar a 84% do PIB, um número muito, muito alto, próximo do que torna essa política monetária ineficaz. As estimativas que temos do nível de dominância fiscal variam entre 85% e 90% de dívida bruta sobre o PIB. Ou seja, já estamos ficando muito próximos. E parece inevitável, porque o governo não quer mexer no reajuste do salário mínimo, não quer mexer em nada. Enfim, vamos ver, né? Estou torcendo para que as coisas caminhem na direção certa", prossegue.

"Agora temos que ver que os títulos do Tesouro Direto com vencimento em 2050 estão pagando um juro real de 7,5%. Que negócio dá 7,5% acima do IPCA acumulado? Que negócio rende isso? Para que investir em produção, crescimento, se, sem risco nenhum, você pode aplicar em título do governo com taxas como essa?", indaga o profissional.

Segundo Werlang, este ano enfrentaremos um cenário mais desafiador, em um momento em que a economia global se depara com queda de crescimento. "Essa guerra comercial entre EUA e China é ruim para todo mundo e será ruim para o comércio internacional porque, ainda que haja muita compensação com o desvio de comércio para outros países, o comércio internacional provavelmente vai cair. Isso é muito importante e vai bater no crescimento do nosso país", complementa.

Que diachos é a tal Taxa Selic?

Afinal, o que é Selic? Ela é a mãe de todas as outras taxas de juros. Selic é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia (por isso é mais fácil falar Selic, não é?). E o que é esse sistema? É por esse sistema que o Banco Central registra todas as operações com títulos da dívida federal, desde a emissão até a compra e venda dos títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional.

Por isso, a taxa Selic, e sua tendência de subir ou cair, serve como base para todas as outras taxas de juros da economia. A cada 45 dias, integrantes do Banco Central se reúnem para decidir qual será a meta anual da taxa Selic. E ela é definida de acordo com a expectativa de inflação, que deveria estar dentro da meta.

Se os preços estiverem subindo muito, trazendo a inflação para longe da meta estipulada pelo Ministério da Fazenda, o Banco Central aumenta essa taxa. Por quê? Porque, assim, torna o empréstimo de dinheiro "mais caro", reduz a quantidade de dinheiro circulando na economia, diminui o consumo e isso desencoraja novas subidas de preços.

Quem é da geração 40+ se lembra da inflação galopante que, no ano de 1986, época do Plano Cruzado, aumentou de 350%. Teve mês em que ela passou de 80%. Imagine isso: seu salário cai no dia 5 e, no fim do mês, se não for aplicado, perde 80% do valor. Cem reais viram vinte.

Por isso, havia filas quilométricas nos supermercados no dia em que o salário caía. Todo mundo estocava produto para se proteger dos aumentos quase diários. Esse é um passado doloroso que não deve, não pode se repetir.

E aí entra o Banco Central: ele precisa dosar bem a taxa de juros para que a inflação não dispare. Essa é a função das decisões do Comitê de Política Monetária (o Copom). Um dos principais instrumentos que ele tem, como explicamos acima, são as taxas básicas de juros. O problema é elas chegarem a um nível que asfixie a economia, comprometendo o crescimento do país e quebrando o orçamento de quem tem dívida para pagar.

Segundo o próprio BC, o endividamento das famílias chegou a 48%, ou seja, quase a metade da renda das famílias, em média, foi comprometida com dívidas nos últimos 12 meses.

Gasto público

O aumento de juros não afeta só as famílias e empresas. Afeta também os juros que o país paga para se financiar, os juros dos títulos públicos. Segundo relatório da agência de rating Moody’s, o Brasil deve fechar o ano com quase R$ 1 trilhão em gastos com juros e amortizações para pagar empréstimos feitos, principalmente, no mercado interno. Um recorde. E, segundo a agência, isso deve limitar os esforços do governo em reduzir o déficit fiscal.

"A rigidez dos gastos e a alta dos pagamentos de juros limitam a perspectiva de grandes cortes de despesas no curto prazo. Por isso, reformas adicionais para lidar com aumentos dos gastos obrigatórios devem ser necessárias", diz o relatório.

Além disso, os prazos para pagamento devem se reduzir. Lembrando que, nos últimos 12 meses, o governo gastou R$ 924 bilhões em pagamento de juros — um aumento considerável de 23% em relação aos 12 meses anteriores para rolar seu débito.

E agora? Onde investir seu suado dinheiro

Com juros reais elevados, os economistas aconselham investir em renda fixa. Ela é o novo pretinho básico! Por exemplo, títulos do Tesouro Direto que podem seguir a Selic ou ainda pagar uma taxa de juros acrescida da correção inflacionária. Mas fique atento ao prazo de resgate.

Os títulos do Tesouro Selic podem ser resgatados sem prazo definido. Já os que seguem a inflação mais um pagamento de juros têm prazo de vencimento. Se tirar antes, não recebe rendimento. Se você for do tipo ansioso, esqueça. Esses investimentos são considerados mais seguros do que a poupança. Basta ter conta em uma corretora para aplicar. Os valores iniciais são baixos e os juros estão tentadores.

Outra possibilidade é investir em CDBs de bancos sólidos, que pagam rendimentos atrelados ao Certificado de Depósito Bancário (CDI) e também se beneficiam num cenário de alta de juros.

Existem ainda as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que também têm rendimentos atrelados ao CDI e, para pessoas físicas, são isentas de Imposto de Renda.

Fundos de renda fixa pós-fixados podem ser uma boa pedida. Mas cheque antes com o gerente do banco qual a taxa de administração desse fundo, que pode corroer os rendimentos. E peça sempre para ver o histórico de rendimento do fundo. Claro que rendimento passado não garante o futuro, mas é bom ver como o fundo tem sido gerido.

Pesquise os fundos de renda fixa antes de se decidir por um deles. As taxas variam muito — dentro de um mesmo banco e entre bancos. E, dependendo de onde você decidir investir, pode haver oscilações, altas e baixas também. Vai depender do seu perfil de investimento: mais moderado ou mais arrojado, do tipo que ama uma montanha-russa.


*As opiniões da colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.

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