OPINIÃO
ILUSTRAÇÃO/CHATGPT
Criança observa gráfico em forma de cérebro, unindo educação e economia. (Imagem IA)
Publicado em 14/10/2025 - 11h00
Quando a gente fala em economia, logo pensa em juros, PIB ou dólar. Mas o verdadeiro motor do crescimento está dentro da nossa cabeça. A neurociência mostra que investir na forma como o cérebro aprende é tão importante quanto investir em infraestrutura e o impacto disso é direto na produtividade e no PIB brasileiro. No Brasil, por exemplo, se todos os alunos concluíssem o ensino médio com aprendizado adequado em leitura e matemática, o PIB poderia ser 36% maior até 2050, segundo o Instituto Ayrton Senna e o economista Eric Hanushek, da Universidade de Stanford. É muita coisa, gente — 36% do PIB!
Mas o que a neurociência tem a ver com isso? Tudo. Ela mostra que o aprendizado não depende só de conteúdo, mas também de emoção, atenção e memória. Estudos da Universidade de Harvard indicam que o cérebro aprende melhor quando o aluno está emocionalmente engajado e se sente seguro. Ou seja, a relação com o professor é um gatilho biológico para o aprendizado.
É por isso que a educação socioemocional tem se tornado política pública em vários estados brasileiros. Quando o aluno desenvolve habilidades como foco, empatia e autoconfiança, ele melhora não só suas notas, mas também sua capacidade de resolver problemas e inovar — duas competências que movem a economia moderna.
Um dado que mostra essa conexão: cada ponto a mais no PISA (o exame internacional de educação) está ligado a um aumento de 2,6% do PIB per capita de longo prazo. E o Brasil, que ainda está abaixo da média global, tem um potencial enorme: segundo o IBGE, quase 45% dos jovens entre 15 e 29 anos, praticamente a metade, ainda não concluíram o ensino médio. Imagine o impacto se todos conseguissem?
A neurociência da aprendizagem vem inspirando políticas como o Programa Educação em Tempo Integral, que já atinge mais de 1,5 milhão de alunos no país, de acordo com o Ministério da Educação (MEC). O tempo estendido permite trabalhar diferentes estímulos de aprendizado (artes, esportes, música) todos comprovadamente benéficos para o desenvolvimento cerebral.
Certamente um avanço, mas ainda há um longo caminho. A quantidade de alunos com acesso a esse programa representa um percentual pequeno em relação ao total de estudantes da educação básica, que é de cerca de 35 milhões. Ou seja, menos de 5% da rede tem acesso a esse modelo.
A realidade da maioria das escolas é de sucateamento e professores desvalorizados. Segundo o Censo Escolar e o Inep, muitas escolas públicas carecem de bibliotecas, laboratórios, equipamentos de informática, quadras esportivas e até banheiros adequados. Salas com mais de 30 alunos são comuns, especialmente em áreas urbanas e periféricas, dificultando o aprendizado individual e o acompanhamento do professor.
Muitas escolas não têm livros atualizados, materiais de apoio ou acesso a tecnologia educacional. Falta capacitação continuada e salários dignos para garantir qualidade no ensino.
O resultado desse cenário é a evasão escolar, que chegou a quase 6% no ensino médio. Cerca de 9 milhões de jovens entre 14 e 29 anos não haviam concluído o ensino médio em 2024, por terem abandonado ou nunca frequentado a escola. Entre os principais motivos estão a necessidade de trabalhar e o desânimo com a sala de aula.
Há também o atraso escolar: 4,2 milhões de estudantes estão com dois anos ou mais de defasagem na educação básica. E isso é um tempo precioso perdido, porque é na infância e na adolescência que nosso cérebro tem maior capacidade de reter o aprendizado.
Você já ouviu falar em plasticidade cerebral? Esse é o nome que a neurociência dá à capacidade do nosso cérebro de mudar, se adaptar e criar novas conexões. Durante a infância e a adolescência, o cérebro é uma verdadeira máquina de aprendizado.
Cada experiência, cada conversa, cada aula, cada desafio enfrentado — tudo isso molda o cérebro. As sinapses (as conexões entre os neurônios) se formam e se fortalecem quanto mais o jovem exercita determinadas habilidades. É como se a escola fosse uma academia para o cérebro, e o professor, o personal trainer que orienta o treino.
Quando o estudante é estimulado desde cedo com boas experiências de aprendizado, seu cérebro se torna mais preparado para absorver conhecimento, resolver problemas e lidar com emoções complexas.
E isso não é teoria: pesquisas mostram que crianças expostas a ambientes de aprendizado ricos e afetivos têm até 30% mais conexões neuronais ativas nas regiões ligadas à memória e à linguagem do que aquelas privadas de estímulos adequados. O contrário também é verdadeiro: quando há desnutrição, estresse constante ou falta de estímulo para o aprendizado, o desenvolvimento cerebral desacelera.
No Brasil, estudos do UNICEF e do Instituto Ayrton Senna apontam que quase 4 em cada 10 jovens do ensino médio não conseguem aprender o mínimo esperado em matemática e português. Uma das causas é a ausência de ambientes que respeitem o funcionamento natural do cérebro jovem, que aprende com curiosidade, emoção e propósito — não apenas com decoreba.
Quando professores entendem como o cérebro aprende, conseguem adaptar o ensino a diferentes ritmos e estilos de aprendizado. A escola é muito mais do que um lugar para ensinar conteúdo: é o espaço que ajuda o jovem a organizar o pensamento, regular emoções e construir a base que influenciará toda a sua trajetória profissional e pessoal.
E é aqui que entra a importância do investimento em educação de qualidade. Cada real colocado na educação básica não é gasto — é multiplicado. O Banco Mundial mostra que cada ano adicional de estudo aumenta em até 10% a renda média futura de uma pessoa. Quanto mais a mente é treinada na juventude, mais eficiente ela se torna na vida adulta.
E mais renda significa mais arrecadação para o governo, o que possibilita novos investimentos. Mas estamos perdendo feio nessa área, começando pela engrenagem principal desse motor: o professor. Antigamente, ser professor era motivo de orgulho. Hoje, o professor no Brasil é um dos profissionais mais desvalorizados.
Enfrenta sobrecarga de trabalho, condições ruins para ensinar e salários baixos. Um professor da educação básica ganha, em média, 30% menos do que outro profissional com o mesmo nível de formação, segundo dados do Inep e do IBGE. Não é raro que tenha de dar aula em duas ou três escolas para complementar a renda. E, mesmo assim, o futuro do país depende justamente desses profissionais.
Porque não existe PIB forte, inovação, produtividade ou crescimento econômico sem gente bem formada — e quem forma essa gente é o professor. Mas os dados são desanimadores: segundo o Censo da Educação Básica, mais de 1,3 milhão de professores atuam na rede pública, mas falta gente em áreas essenciais como matemática, física e química. E o pior: cada vez menos jovens querem seguir essa carreira.
Um levantamento do Instituto Península mostrou que apenas 2% dos jovens brasileiros querem ser professores. É quase nada — e o motivo não é falta de vocação, e sim desânimo com a realidade. Aí entra a contradição: queremos educação de qualidade, mas não valorizamos quem está dentro da sala de aula. A OCDE mostra que o Brasil é um dos países onde o professor mais passa tempo dando aula e menos tempo sendo capacitado. Falta espaço para atualização, descanso e incentivo. E, mesmo assim, muitos seguem firmes. Sem professor valorizado, não há aprendizado de qualidade. Sem aprendizado, não há desenvolvimento.
O professor é o pilar da construção da nossa nação. Na Coreia do Sul, por exemplo, que há 50 anos investe pesado em educação, os professores têm remuneração crescente e planos de carreira atrativos. Hoje, cerca de 70,6% dos sul-coreanos de 25 a 34 anos completaram o ensino superior — o número mais alto entre os países da OCDE.
Isso indica uma força de trabalho altamente qualificada, com alta produtividade e capacidade de inovação. Esse avanço atrai investimentos estrangeiros e fortalece setores de alta tecnologia, como eletrônicos, semicondutores e automotivo.
Enquanto isso, no Brasil, apenas 23% das pessoas entre 25 e 34 anos possuem diploma de ensino superior — um índice bem abaixo da média da OCDE. Aí dizem: o problema é falta de recursos. Não é. O orçamento da educação no Brasil é de cerca de 5% do PIB, valor semelhante ao de países desenvolvidos.
O problema está na gestão do dinheiro público: desperdício, burocracia, obras paradas e falta de planejamento pedagógico.
Investimos pouco em inovação educacional, tecnologia e avaliação de resultados — e isso impede medir se o investimento realmente gera aprendizado.
Quando o dinheiro chega à sala de aula, ele desaparece: o gasto por aluno no Brasil é muito menor do que em países desenvolvidos — cerca da metade do que a Coreia do Sul investe. Além disso, o investimento é mal distribuído: cidades ricas gastam mais por aluno do que regiões pobres, que deveriam receber mais atenção.
Outro ponto crítico é a baixa valorização e formação contínua de professores, o que impacta diretamente a qualidade do ensino. Quase metade dos jovens de 15 anos não entende o básico de matemática, e um em cada quatro tem dificuldade de leitura. E são esses jovens que irão construir o futuro do país. E que futuro teremos dentro dessa realidade?
No fim das contas, tudo volta ao mesmo ponto: a sala de aula. É ali que o cérebro do futuro começa a ser moldado — onde o país decide se vai continuar remando contra a maré ou finalmente surfar na onda do conhecimento.
O Brasil pode ter as maiores reservas do mundo, grandes exportações e o maior PIB do continente, mas nada disso se sustenta sem gente preparada para pensar, inovar e resolver problemas. Essa preparação começa com um bom professor, uma escola estruturada e um aluno que acredita que aprender vale a pena.
Se o Brasil quiser crescer de verdade — um crescimento sustentado, sem os altos e baixos do famoso "voo de galinha" — precisa investir onde o retorno é garantido: na mente, no coração e na coragem dos nossos professores. Porque, no fim, é dentro da cabeça de uma criança que o futuro da economia começa a acontecer.
*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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