PSICOLOGIA FINANCEIRA

O truque da Black Friday que engana seu cérebro e esvazia sua conta

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Fachada de loja com adesivo da Black Friday

Fachada de loja com adesivo da Black Friday; entenda a psicologia financeira por trás da promoção

Publicado em 22/10/2025 - 12h00

Tá chegando a temporada do "não posso perder esse desconto". Em novembro, parece que o país inteiro entra em promoção. Com as datas do comércio cada vez mais antecipadas, muita gente já está no modo "esquenta Black Friday".

A data, importada dos Estados Unidos, acontecia na última semana de novembro. Agora, é o mês todo, repleto de ofertas relâmpago criadas pelo varejo para aproveitar o décimo terceiro que começa a pingar na conta. É Black Friday para todo lado: TV, redes sociais, vitrines piscando e a promessa de descontos que "você nunca mais vai ver". Mas será que a gente realmente precisa de tudo que compra? Spoiler: não.

E os dados mostram isso. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil, quase metade dos brasileiros (47%) admite comprar por impulso na Black Friday. Pior: três em cada dez consumidores acabam levando produtos que nem faziam parte dos planos.

Sabe o famoso "não precisa, mas tá barato"? No ano passado, o comércio faturou quase R$ 10 bilhões com a data. Este ano, seis em cada dez brasileiros pretendem gastar em média R$ 500 na Black Friday. Considerando a renda média do país, é bastante coisa — e isso é o planejado.

Entre o planejado e o que realmente saiu do bolso, no ano passado o gasto médio foi de R$ 1,4 mil. De repente, parece que o universo inteiro conspira para fazer a gente abrir a carteira. E, muitas vezes, a gente faz isso.

O fenômeno não é pequeno. Ele movimenta milhões, molda comportamentos e mexe com as finanças pessoais. A psicologia econômica, que estuda como nossas emoções afetam as decisões de consumo, mostra que elas raramente são racionais.

O nosso cérebro é uma máquina incrível, mas evoluiu para sobreviver, não para lidar com vitrines piscando e cupons de 50% off. Reagimos muito mais às promoções imediatas do que às contas planejadas.

Truques do cérebro na Black Friday

A Black Friday é um laboratório perfeito da psicologia do consumo. As marcas conhecem bem nossos pontos fracos e usam gatilhos mentais para nos empurrar para o carrinho.

Nosso cérebro entra em pânico com a ideia de perder uma oportunidade — é o chamado "viés da perda". Por isso, anúncios como "últimas unidades" ou "só restam 2" atingem a gente em cheio. Acabamos comprando para não perder a oferta, e não porque precisamos.

Há também a pressão temporal, típica das "ofertas relâmpago": "promoção válida pelas próximas horas". Psicologicamente, isso reduz o tempo de reflexão e aumenta o risco de uma compra não planejada. É o "comprei porque era barato" versus "eu realmente precisava disso?".

Esse "medo de perder" (loss aversion) foi descrito pelos economistas Daniel Kahneman e Amos Tversky: perder dói mais do que ganhar alegra. Então, quando lemos "só mais 2 unidades" ou "acaba em 3 horas", nosso cérebro entra em pânico — "se eu não comprar agora, vou me arrepender pra sempre!".

Outro protagonista é a dopamina, o neurotransmissor do prazer. O ato de comprar libera esse hormônio no corpo e provoca uma sensação de recompensa e alívio imediato. Até o dia seguinte, quando olhamos para o produto e pensamos: "por que mesmo eu comprei isso?".

E a dor aumenta quando chegam os boletos dessas compras "sem motivo". Esse consumo emocional está por trás de muito orçamento no vermelho. No ano passado, um terço dos consumidores fez dívidas para aproveitar os descontos — e, segundo a Serasa, 60% se arrependeram depois.

O comportamento ainda é reforçado pelo FOMO (Fear of Missing Out), o medo de ficar de fora. Se o vizinho comprou, o colega aproveitou e "tá todo mundo pegando promoção", nosso cérebro entra no efeito manada.

Outro viés é o do presente: valorizamos o benefício imediato mais do que o futuro. Então "levar agora com desconto" soa mais atraente do que "esperar e economizar".

Com tantas ofertas e cupons, o consumidor sofre o chamado "decision fatigue", o cansaço de decidir. Isso aumenta o risco de compras por impulso e arrependimentos. O prêmio Nobel Richard Thaler explica isso no conceito de "nudge" — pequenos empurrões que mudam nosso comportamento sem percebermos. Cores chamativas, contadores regressivos, frete grátis acima de certo valor… tudo é desenhado para tirar o consumidor do modo racional e colocá-lo no automático.

O marketing digital sofisticou ainda mais o jogo. Plataformas como Amazon e Shopee usam algoritmos que aprendem seus hábitos e sabem o momento exato de mostrar aquela oferta "só pra você". Nos EUA, estudos mostram que usuários com notificações personalizadas gastam até 40% mais. Não é sobre pobreza ou riqueza — é sobre como o cérebro humano reage à escassez e à sensação de oportunidade.

Virando o jogo da Black Friday

A Black Friday não é o problema. O problema é como nos relacionamos com o consumo. Quando deixamos a emoção comandar, o prazer de um dia vira o arrependimento de meses. Mas é possível virar o jogo e realmente aproveitar os descontos de forma consciente.

  • Comece fazendo uma lista do que realmente precisa e monitore os preços com antecedência. Assim, você compra o que importa, com desconto real. Se o preço tiver caído e a compra for consciente, a economia será verdadeira.
  • Para driblar o senso de urgência e evitar o impulso, espere um dia antes de gastar. Se for online, coloque o produto no carrinho e finalize apenas no dia seguinte. Assim, você dá tempo para a parte racional do cérebro agir.
  • Pergunte-se: "Eu compraria isso se não estivesse em promoção?". Se a resposta for não, o melhor desconto é não gastar.
  • E se optar por parcelar, avalie as taxas de juros e o impacto das parcelas no orçamento mensal.

No fim das contas, a melhor promoção é não comprar o que você não precisa, mesmo que esteja com 90% de desconto. Porque, no fundo, imperdível mesmo é ter paz financeira. E essa, querido leitor, não tem cupom de desconto.


*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.

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