CRISE DE IMAGEM
DIVULGAÇÃO/ADIDAS
Willy Chavarria segura sandália Oaxaca Slip-On; peça foi criticada e fez empresa pedir desculpas
Publicado em 13/8/2025 - 9h00
A apropriação cultural voltou ao centro dos debates no mundo da moda e do design de produtos — e não sem razão. Quando elementos de uma cultura, especialmente de comunidades marginalizadas ou historicamente exploradas, são utilizados por grandes marcas sem o devido reconhecimento ou benefício aos seus criadores originais, o impacto vai muito além do produto final: ele toca em questões de identidade, herança e justiça econômica.
Um exemplo recente é o caso das sandálias Kolhapuri e a grife italiana Prada. No final de junho de 2025, durante a Semana de Moda Masculina de Milão, a marca apresentou um calçado aberto descrito como "sandálias de couro".
No entanto, críticos de moda, artesãos e políticos indianos rapidamente reconheceram o design como uma cópia das tradicionais Kolhapuri — rasteirinhas artesanais originárias da cidade de Kolapur, no estado de Maharashtra, com um intricado padrão de tiras entrelaçadas que remonta ao século XII.
Enquanto as autênticas sandálias Kolhapuri podem ser compradas em mercados locais por cerca de 10 euros (aproximadamente R$ 64), um produto equivalente da Prada, como item de luxo, poderia facilmente ultrapassar mil euros (R$ 6,4 mil). O detalhe mais polêmico? A marca só admitiu a inspiração indiana após ser acusada de apropriação cultural.
A Câmara de Comércio de Maharashtra solicitou formalmente que a Prada reconhecesse a origem do design. Lorenzo Bertelli, chefe de responsabilidade social corporativa da marca e filho dos proprietários, enviou uma carta admitindo que o calçado era inspirado no tradicional artesanato indiano e carregava "uma rica herança cultural". Ele afirmou ainda que o produto estava em fase inicial de desenvolvimento e poderia nem chegar ao mercado.
Esse episódio expôs não apenas a questão do reconhecimento, mas também a da proteção legal. A Câmara de Comércio anunciou que vai patentear as sandálias Kolhapuri para impedir cópias futuras, lembrando que elas já possuem um selo de indicação geográfica na Índia — proteção que proíbe reprodução sem autorização e garante partilha de benefícios quando usadas comercialmente.
O caso foi parar na Alta Corte de Bombaim, com o apoio de Dhananjay Mahadik, parlamentar do distrito de Kolapur. Há ainda uma dimensão social relevante: a produção das Kolhapuri é tradicionalmente dominada por artesãos da comunidade dalit, historicamente marginalizada e alvo de discriminação. Segundo o grupo Dalit Voice, mais do que moda, as sandálias representam "um legado do artesanato e da resiliência dalit".
Outro caso que levantou debates foi o da Adidas, que apresentou o modelo "Oaxaca Slip-On", criado em colaboração com o designer Willy Chavarría. O calçado usava tiras trançadas praticamente idênticas às dos huaraches feitos artesanalmente pela comunidade Zapoteca de Villa Hidalgo Yalálag, em Oaxaca, México. As autoridades locais acusaram a marca de apropriação cultural por não ter consultado, creditado ou indenizado a comunidade indígena.
Diante da reação, o designer e a Adidas se desculparam publicamente, removeram o material promocional e abriram diálogo com representantes de Oaxaca para buscar reparos — reconhecendo que a inspiração não compensava a ausência de envolvimento real com os artesãos.
Com base nesses casos, seguem algumas diretrizes práticas para marcas e times de produto evitarem a apropriação cultural:
Imagem de marca: Casos de apropriação geram reação negativa instantânea e podem manchar reputações por anos.
Regulação crescente: Diversos países, incluindo o México (como no caso Adidas), já têm leis que protegem patrimônio cultural coletivo.
Oportunidade de inovação verdadeira: Colaborações autênticas com comunidades elevam o produto e geram impacto positivo.
Esses episódios mostram que a linha entre inspiração e apropriação é tênue, mas não invisível. O desafio para marcas está em transformar admiração cultural em colaboração real, garantindo que os detentores originais da tradição participem do processo e sejam beneficiados.
No desenvolvimento de produtos, isso exige mais do que pesquisa de mercado: requer investigação histórica, engajamento com as comunidades envolvidas, acordos transparentes e, acima de tudo, respeito pelo valor simbólico e econômico do que está sendo incorporado.
Em um mundo cada vez mais conectado, onde as referências cruzam fronteiras em segundos, a responsabilidade é proporcional à visibilidade. Não se trata apenas de evitar crises de imagem — trata-se de construir pontes de inovação que honrem quem criou o caminho antes.
A pergunta que fica para criadores e empresas é: você está apenas usando uma estética… ou ajudando a preservar e fortalecer a cultura que a originou?
*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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