ENTENDA

Selic em 15%: O que explica o contraste com os cortes de juros nos EUA

MARCELLO CASAL JR./AGÊNCIA BRASIL

Sede do Banco Central em Brasília (DF)

Sede do Banco Central em Brasília (DF); entenda o contraste entre as decisões sobre os juros

Publicado em 18/9/2025 - 9h43

A queda dos juros nos Estados Unidos sinaliza um cenário de maior liquidez global, mas a manutenção da Selic em 15% ao ano expõe os dilemas brasileiros: inflação persistente, gasto fiscal elevado e uma economia em desaceleração. Enquanto analistas enxergam espaço para cortes no médio prazo, prevalece a leitura de que o peso das contas públicas mantém o Brasil preso a uma das taxas reais mais altas do mundo.

"Basicamente a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) veio em linha com o esperado. O horizonte agora é o primeiro trimestre de 2027. No comunicado, o Banco Central (BC) projeta inflação de 3,4% nesse período. De 3,2% para baixo já seria sinal de corte. Mas o comunicado veio mais duro do que eu imaginava. E eles ainda mantêm a possibilidade de subir juros, o que é meio absurdo na situação atual", analisa Sergio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central e hoje professor da FGV, em conversa com a coluna.

Pelo comunicado do Copom , não há expectativa de queda tão cedo. A decisão foi unânime entre os oito diretores e o presidente do BC. Descontada a inflação, continuamos com a segunda maior taxa de juro real do mundo.

A justificativa da autoridade monetária para manter os juros altos foi a instabilidade do ambiente externo, principalmente nos EUA, e o mercado de trabalho aquecido. Apesar disso, indicadores como o Monitor do PIB da FGV e dados internos do órgão mostram desaceleração econômica, enquanto a inflação segue acima da meta.

Desde o início deste ano, o Brasil passou a adotar a chamada meta contínua, que considera a inflação acumulada em 12 meses, e não mais apenas o ano calendário. A meta é de 3% ao ano, com margem de tolerância até 4,5%.

Segundo o Relatório de Política Monetária do BC, se a inflação não ceder, o Copom pode até voltar a subir os juros. A projeção da autoridade é de inflação em 4,9% em 2025, só começando a ceder a partir de outubro.

Já para 2027, as expectativas de mercado indicam 3,9%, dentro do teto da meta. Para os juros, a previsão é de 10,5% ao ano em 2027, ainda muito altos para quem precisa de crédito.

Werlang observa ainda que a economia está desacelerando mais do que o BC projeta. O Monitor do PIB da FGV apontou retração de 0,6% em julho, e o IDAT (Índice Diário de Atividade Econômica do Itaú) vem caindo há dois meses. Para ele, a desaceleração logo aparecerá em indicadores como PIB, indústria, comércio e serviços. Por isso, acredita que a queda da Selic deve começar em dezembro.

E o governo com isso?

Na visão de Werlang, os juros altos já deveriam ter maior impacto, mas o gasto fiscal elevado neutraliza parte do efeito: "Apesar de a Selic estar em 15% ao ano, algo como 10% de juro real, o impacto não é maior porque o governo gasta muito. O BC tenta conter o consumo, mas o governo estimula. Resultado: juro alto por mais tempo. É como enxugar gelo".

A responsabilidade não é só do Executivo. Congresso, Judiciário, estados e municípios também ampliaram gastos nos últimos anos. Só em 2025, as emendas parlamentares somaram R$ 50 bilhões. A regra de reajuste do salário mínimo adicionará R$ 164 bilhões em quatro anos às contas públicas, por estar vinculada a benefícios como aposentadorias. O déficit projetado para 2025 é de R$ 74 bilhões.

Esse desequilíbrio fiscal aumenta o custo da dívida. O Brasil deve gastar 8,5% do PIB com juros neste ano, um recorde mundial. Essa conta cai direto no bolso do consumidor: bancos e comércio repassam taxas ainda maiores, muito acima dos 15% da Selic. Resultado: 78 milhões de brasileiros estão inadimplentes, metade da população adulta, com dívidas em atraso de até R$ 482 bilhões.

Juros ao consumidor nas alturas

Levantamento feito por Miguel Oliveira, diretor de pesquisas da Anefac (Associação Nacional de Executivos de Finanças), mostra o salto dos juros em um ano:

  • Crédito no comércio: de 7% para 88% ao ano;
  • Financiamento de veículos: de 24,6% para 28,5% ao ano;
  • Empréstimo pessoal em bancos: de 50% para 60% ao ano;
  • Financeiras: de 123% para 131% ao ano.

Segundo Oliveira, há fatores para manutenção ou queda. Entre os primeiros estão o rombo fiscal, a alta do emprego e estímulos ao consumo. Do outro lado, a Selic altíssima e a desaceleração do PIB reforçam argumentos por cortes.

Tenho dinheiro, onde investir?

Se você conseguiu economizar, este pode ser um bom momento para investir. As taxas atuais oferecem oportunidades.

Segundo Werlang, os títulos do Tesouro IPCA+ com vencimento em 2029 pagam inflação mais 7,5% ao ano. É possível começar com R$ 100 pelo Tesouro Direto. Papéis prefixados de curto prazo, com vencimento em 2028, estão rendendo em torno de 13%.

Investimentos pós-fixados também são interessantes: CDBs de grandes bancos pagam acima do CDI. Outra alternativa são as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), que oferecem taxas ligeiramente melhores.

E aqui vai o alerta: fuja da poupança. O rendimento está em torno de 3,5% ao ano, muito abaixo de outras opções. Você não perde dinheiro, mas também deixa de ganhar. Com os juros altos, é hora de fazer o dinheiro trabalhar por você.


*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.

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