LEGADOS
ILUSTRAÇÃO/CHATGPT
Executivo mais velho entrega caneta a sucessor, simbolizando transição de liderança.
Publicado em 23/10/2025 - 12h00
O Brasil é o país das empresas familiares e dos legados mal conduzidos. A cada geração, o mesmo roteiro se repete: um fundador visionário constrói e uma sucessão mal feita destrói. O problema não é a troca de comando, e sim o ego travestido de herança. Há filhos que acreditam que ser "herdeiro" é o mesmo que ser "líder", e fundadores que não abrem espaço, mas reclamam da estagnação. Enquanto isso, muitas empresas esperam a crise bater para começar a planejar a sucessão empresarial.
A sucessão não é um evento, é um processo. Quando conduzida sem preparo, maturidade e uma cultura sólida, ela custa mais do que dinheiro — custa história. E esse é um dos maiores riscos da gestão familiar: confundir lealdade com apego, herança com competência, tradição com resistência.
As empresas familiares representam mais de 80% dos negócios no Brasil, mas poucas sobrevivem à segunda geração. O motivo raramente é técnico; quase sempre, é emocional. Ou, para ser mais exato, é cultural. O grande vilão costuma ser o comportamento, e não o balanço.
Muitos herdeiros confundem herança com competência. Acreditam que o cargo é um direito automático, não uma conquista. Mas liderar um negócio não é apenas continuar uma história: é ter capacidade emocional, intelectual e estratégica para sustentar o que ela representa.
E isso exige preparo. Não existe liderança por DNA. Existe liderança por mérito, estudo e consistência. Empresas que confundem parentesco com qualificação assinam o atestado de médio prazo do seu próprio declínio.
Em várias organizações, os herdeiros crescem cercados por proteções. Ninguém cobra, ninguém confronta. Tudo é atenuado "porque é o filho do dono". O resultado são adultos inseguros, com autoridade artificial e zero maturidade para sustentar decisões complexas. Quando a sucessão chega, o caos vem junto — e a empresa, antes símbolo de estabilidade, se transforma em um palco de vaidades.
Há dois extremos que destroem uma sucessão: os que querem modernizar tudo de um dia para o outro, como se inovação fosse apagar o passado, e os que travam qualquer mudança, presos ao mito do "meu pai sempre fez assim". Ambos levam ao mesmo destino: a paralisia. Inovar sem respeitar o legado é imprudência; preservar sem evoluir é obsolescência.
Toda troca de comando é também uma troca de mentalidade. E, sem clareza cultural, a transição vira uma guerra de narrativas. A boa sucessão começa antes da urgência, com tempo, preparo e alinhamento. Formar sucessores é mais importante do que nomeá-los. Isso envolve treinamento, mentoria e exposição progressiva. O herdeiro precisa entender que está ali como gestor, não como "filho de".
Assegurar governança corporativa e meritocracia também é essencial. Conselhos bem estruturados e regras claras protegem a empresa das emoções familiares. Cuidar da cultura organizacional como ativo de continuidade é outro pilar indispensável.
A cultura é o elo entre o fundador e o futuro. Quando ela se perde, a empresa perde identidade e, junto com ela, valor. A verdadeira sucessão familiar não é transferir um CNPJ, é preservar coerência. É garantir que o nome da empresa continue sendo sinônimo de credibilidade, consistência e resultado. Isso não se compra com sobrenome — se conquista com comportamento.
No fim, quem herda um negócio sem herdar a responsabilidade de sustentá-lo não é sucessor. É apenas um cara mimado e o verdadeiro sabotador de legado.
*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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